O transporte marítimo de contêineres por navios que chegam ou partem de Santos (SP) está mais concentrado em quatro grandes armadores (companhias de navegação) europeus — três dos quais operam terminais no porto.
No período de 12 meses entre setembro de 2024 e agosto de 2025, a participação das “big four” — a suíça MSC, a dinamarquesa Maersk, a francesa CMA CGM e a alemã Hapag-Lloyd — subiu de 72% para 80%.
De acordo com a Datamar, plataforma de dados portuários e de comércio exterior, a fatia dos demais armadores caiu de 28% para 20% no mesmo intervalo. Esse grupo inclui gigantes como a chinesa Cosco, a japonesa One e taiwanesa Evergreen.
Fontes do setor afirmam que o acesso das empresas asiáticas ao Porto de Santos tem sido cada vez mais dificultado pela dominância dos armadores europeus.
O complexo santista tem três terminais de contêineres. A MSC e a Maersk são sócias no BTP. A CMA CGM comprou, em setembro do ano passado, o controle da Santos Brasil.
O terceiro terminal pertence à DPW (Dubai Ports World), dos Emirados Árabes, que tem um acordo com a Maersk para o grupo dinamarquês fazer suas operações de contêineres.
A Maersk também fechou, em 2024, uma parceria para o compartilhamento de rotas marítimas no transporte de contêineres. O acordo entrou em vigência no início deste ano e inclui diversas ligações intercontinentais, mas não abrange a América Latina.
O governo federal espera leiloar, ainda em dezembro, um novo superterminal de contêineres em Santos. O Tecon 10 deverá receber mais de R$ 6 bilhões em investimentos e ampliar em 50% a atual capacidade de movimentação desse tipo de cargas.
O TCU (Tribunal de Contas da União) está em fase final de análise sobre o modelo do leilão. Há uma forte disputa empresarial em torno das regras.
A Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) e o MPor (Ministério de Portos e Aeroportos) defendem um certame em duas etapas. Na primeira, os atuais operadores de terminais ficariam impedidos de participar.
Numa segunda fase, caso não haja propostas, aí então a disputa seria aberta. Mas, caso arrematem a concessão, os incumbentes teriam que se desfazer dos ativos em Santos.
Já o Ministério da Fazenda — por meio da Seae (Subsecretaria de Acompanhamento Econômico e Regulação) — e a unidade técnica do TCU preferem um modelo de concorrência aberta e em fase única. Eles só concordam com a cláusula de “desinvestimento” em caso de vitória de um dos atuais operadores de terminais.
Defensores das restrições no leilão citam a concentração dos armadores em Santos para argumentar que seria importante trazer um novo operador para o porto.
Segundo esses interlocutores, caso uma das companhias de navegação que já controlam terminais em Santos ganhe o Tecon 10, aumentaria o risco de outros armadores ficarem relegados a posições mais desfavoráveis para atracar no maior porto brasileiro.
ICTSI
Em manifestação protocolada junto ao Ministério Público de Contas, nesta segunda-feira (6), o grupo filipino ICTSI argumenta que “a concentração de mercado em Santos é alarmante”.
A empresa sustenta que “o poder de mercado desses mesmos players (ora incumbentes) abrange notoriamente também a cabotagem, que é, por óbvio, essencial ao funcionamento do mercado, na medida em que Santos se tornará um hub port”.
A ICTSI, que já opera terminais de contêineres em Suape (PE) e no Rio de Janeiro, tem demonstrado forte interesse no Tecon Santos 10.
“Leilões em duas fases, com restrições a incumbentes, são remédios adotados com frequência pela administração quando diante de altas concentrações de mercado e necessidade de fomentar a concorrência no setor”, afirmou o grupo filipino em manifestação ao MP de Contas.
“Tais formatos já foram adotados anteriormente, com respaldo do TCU, tanto no setor portuário, quanto em outros setores regulados. São racionais e eficientes. Fomentar a competição no mercado, em hipotético detrimento do valor da outorga, é recomendação técnica indisputável (OCDE). Não se trata de jabuticaba, mas de best practice.”
Cade
Recentemente, no entanto, a Superintendência-Geral do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) decidiu arquivar um inquérito contra a MSC e a Maersk justamente pela ausência de indícios da prática de “self-preferencing”.
A ABTP (Associação Brasileira de Terminais Portuários) e a Abtra (Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados) recorreram ao Cade para denunciar supostas condutas anticoncorrenciais no mercado de serviços portuários.
A MSC e a Maersk foram acusadas de se privilegiarem, de forma abusiva, da sua posição em Santos como operadoras de um terminal de contêineres (BTP).
Entre as acusações relatadas ao Cade estavam: diferenciação de preços de frete para o uso dos terminais próprios, cancelamento ou redução no número de escalas em terminais de terceiros, condicionamento de espaço nos navios à contratação de outros serviços logísticos.
“Entende-se pela insubsistência dos indícios de infração à ordem econômica”, concluiu parecer da Superintendência-Geral do Cade, divulgado em maio, arquivando as investigações.